Santo Amaro é festejado há 291 anos, com atrações religiosas e artísticas na baixada campista
Em Campos dos Goytacazes, no dia 15 de janeiro, o pacato distrito de Santo Amaro se transforma em cenário que reúne multidões. São romeiros e devotos católicos que vão ao lugar agradecer e pagar promessas. Geralmente, por curas de doenças e outras graças alcançadas. O padroeiro da Baixada Campista atrai pessoas de muitas cidades da região, do estado do Rio de Janeiro e do país. Os festejos são promovidos desde 1733, segundo relatos de religiosos e pesquisadores. Nestes 291 anos de tradição, além dos relatos de fé, o encontro também é marcado pela Cavalhada de Santo Amaro, uma das mais antigas do Brasil. São eventos que fazem parte dos calendários religioso e turístico da cidade.
O bispo da Diocese de Campos, dom Roberto Francisco Ferreria Paz, considera que o turismo religioso é um momento de graça e evangelização. “Ele alcança multidões que se mobilizam a lugares e centros da fé, verdadeiros santuários onde há epifanias do divino, manifestação da santidade, do sagrado. Possibilitam o que os autores chamam a vivência do peregrino, do romeiro, aquele que caminha na descoberta da estrela da sua fé. Santo Amaro é um caminho coletivo, um caminho eclesial, um caminho do reino. Por isso o turismo religioso direciona multidões, o lugar da construção da igreja como grande sinal da presença de Deus na história do corpo de Cristo na história. Por isso, também, tem uma importância social”, diz.
Relatos contam a tradição de três séculos da festa de Santo Amaro em Campos, iniciada com a construção da igreja em 1733, ainda em taipa. Com o aumento da devoção, o templo foi ampliado e cresceu o número de fiéis para as festas. A vida de Santo Amaro está ligada à de São Bento. O padroeiro da Baixada Campista pertenceu à nobreza romana, teve sua espiritualidade marcada pela obediência. Sobre o santo católico é atribuído o milagre de ter caminhado sobre as águas para salvar um menino que se afogava em um lago perto do mosteiro onde estava.
No ano passado, foi lançado o projeto Caminhos de Fé para incentivar o roteiro turístico com o número de devotos nas festas de Santo Amaro. Há visitas às igrejas no trajeto, saindo da catedral diocesana até o santuário. No dia do padroeiro, há milhares de pessoas que caminham a pé por cerca de 50 quilômetros até o distrito. “Cresci vendo a tradição de Santo Amaro, uma festa que preserva a fé e as expressões da cultura popular. A comunidade se prepara para receber, em média, 100 mil pessoas nos dias festivos”, observa o jornalista e pesquisador Ricardo Gomes.
Há dois anos, o padre Leomar Santos está à frente da Igreja de Santo Amaro, além da organização das atividades religiosas de 5 a 15 de janeiro, ponto alto dos festejos do padroeiro. “O importante em Santo Amaro é a obediência, a humildade, a fé e a confiança em Deus, que coloca nessa terra de peregrinação, terra de milagre, inspiração para o povo vir de longe, atraído pela evangelização, pelo testemunho”, comenta.
Testemunhos e devoção
No distrito de Santo Amaro, há muitos relatos de devotos sobre curas e pedidos atendidos. Essas narrativas costumam ser retomadas durante os festejos do padroeiro. O supervisor de shopping, João Fernando Carvalho, é um morador que mantém vivo o testemunho de fé. Ele conta que, quando era menino, ficou doente, e sua mãe fez uma promessa ao santo católico para que fosse curado. “Santo Amaro é um santo milagroso. Várias pessoas vêm aqui para pagar promessa e agradecer. Eu tive um calombo na perna com cinco anos. A medicina era complicada na época. Minha mãe assistia a ladainha aqui na igreja. Depois, fiz exame e não tinha mais o nódulo. Graças a Deus não precisei operar. A fé da minha mãe me ajudou muito. Eu fiquei no lugar dela no Santuário do Santo Amaro”, lembra.
A jornalista Carla Flávia e parte da família participam das celebrações de Santo Amaro. Ela diz que foi o avô quem trouxe inspiração. “Ele era muito devoto. Fez uma promessa porque eu não andava com quase dois anos de idade. Se eu andasse, ele me levaria para sair na procissão vestida de anjo. E isso logo aconteceu. Comecei a andar e participei da celebração. Minha mãe brinca que por culpa da promessa dele, não parei mais de andar pela vida”, diverte-se.
Cavalhada de Santo Amaro
No dia 15, a partir de 5h da madrugada, acontecem diversas missas no templo de Santuário de Santo Amaro. Desfile de bandeiras, procissão, missa campal e show católico fazem parte da programação. O maior destaque acaba sendo a Cavalhada de Santo Amaro, encenação que remonta à época das cruzadas, com batalha entre cavaleiros cristãos vestidos de azul, e de cavaleiros mouros ou árabes vestidos de vermelho. Há 55 anos, o devoto e cavaleiro Miguel Carvalho organiza e coordena a apresentação teatral assistida por milhares de pessoas. “Eu comecei a participar quando tinha 13 anos. Hoje estou com 69 anos. É cansativo, mas a gente faz por amor. É muito gratificante ver a reação das pessoas. Todos os anos, sinto uma emoção diferente. É muito bom poder contribuir com a nossa cultura e fé em Santo Amaro. Enquanto eu puder, vou continuar participando”, diz.
Maria José Pereira é esposa de Miguel Carvalho. Ela é voluntária nos preparativos da Cavalhada de Santo Amaro. Há 16 anos, cuida das roupas e ornamentos usados pelos cavaleiros. “Santo Amaro é tudo para nós. Minha saúde anda frágil, mas por ele eu me esforço para ajudar. Fico feliz. São muitos anos de devoção que aprendi com os meus pais”, comenta.
O bispo Roberto Francisco resume a importância do evento religioso. “A Festa de Santo Amaro começa com uma caminhada. Imita a seguir o caminho do evangelho de Jesus do jeito dos beneditinos. Termina com a cavalhada que reproduz as guerras na Espanha e na Península Ibérica, mas acrescentando o aspecto da reconciliação, da aliança entre as civilizações e da paz entre os povos. A cavalhada termina nesse abraço entre dois rivais”, conclui.