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Como o próximo domingo é Natal e o outro, réveillon, restou para esta edição registrar alguns poucos eventos, entre tantos negativos, que marcaram 2023. Um ano para ser riscado e esquecido, sobretudo em se tratando de política nacional.
Superstições à parte – que não devem pautar texto jornalístico – não se trata de desembarcar com o pé esquerdo no ano novo que se aproxima, mas de relembrar 2023 como um período majoritariamente abjeto – o mais conflituoso, medíocre e de baixo nível da história política do Brasil das últimas 4 décadas.
Longe de uma retrospectiva – por mais singela que fosse – o leitor irá notar que os fatos não estão cronologicamente alinhados. Logo, um assunto de outubro pode vir antes de março. O objetivo é dar destaque aos temas mais relevantes que, muitas vezes entrelaçados uns com os outros, impõem que sejam reproduzidos numa escala de gravidade.
Neste palco de atores políticos, no qual, com exceções, se acotovelam personagens que fingem representar os interesses do país e do povo quando, na verdade, buscam o poder para alcançar o prestígio dos cargos, o mais comum são as ações espúrias e conchavos que mancham o genuíno sentido do autêntico homem público.
Na plateia, os verdadeiros ‘donos do país’ bancam com o suor de seu trabalho e os impostos que pagam os jatinhos, as enormes comitivas, as diárias nos melhores hotéis, dos restaurantes mais caros e de toda a mordomia que cerca essa casta repulsiva de “políticos”.
(Nota. As fotos e nomes de algumas das figuras do cenário político, publicados em ordem alfabética, não representam, necessariamente, as considerações acima).
Para tentar entender 2023, temos que recuar à eleição de 2022 e olhar seus principais personagens. Lula venceu pela menor margem de votos da história pós-redemocratização (1,8%) e Bolsonaro (foto 2) praticamente abandonou o Palácio do Planalto dois meses antes de completar o mandato.
Primeiro, questionou o resultado das urnas (em 2014 Aécio Neves fez o mesmo, só que com muito mais ênfase), depois teria, supostamente, tentado dar um golpe sem – também supostamente – ter conseguido o apoio das Forças Armadas.
Deixou o Brasil antes da posse de Lula e foi para Orlando, onde constantemente fazia visitas a supermercados. Retornou meses depois, já com os episódios das joias e dos relógios ganhando as manchetes, e devolveu alguns (ou todos) os presentes sauditas.
Ora, se era legítimo, deveria ter documentado, seguido os trâmites, passado pela Receita etc. Se não, não poderia ter levado o que legalmente não lhe pertencia e passar pelo constrangimento de devolver. Entre uma coisa e outra, foi tornado inelegível pelo STJ, mas continuou levando multidões quer fosse onde fosse.
No meio de tudo isso vieram os atos 8 de janeiro, que ensejaram a instalação de uma CPI. Em outubro, a Comissão Parlamentar encerrou os trabalhos com a apresentação de dois relatórios: um governista e outro de oposição, com pedidos de indiciamentos.
Arthur Lira
Até agora, Arthur Lira tem sido tão influente quanto nocivo. Desde sempre cuidando de seus interesses pessoais, aproveitou-se da fragilidade de Lula para manobrar em benefício próprio. Em junho, investigação da PF para apurar suposta fraude em licitações e lavagem de dinheiro de um ex-assessor, teria, segundo um aliado, deixado Lira “espumando de raiva”.
O comentário foi publicado em O Globo (02/06) pelo jornalista Lauro Jardim. Segundo o mesmo aliado, “o troco viria na forma que ele sabe operar: nas votações na Câmara”. Ora, não deveria ele, Lira, ser o primeiro interessado em esclarecer qualquer irregularidade de um ex-assessor?
Ao criar o 38º ministério, o jornalista Bernardo Mello Franco (O Globo), escreveu: “Depois de fabricar crises em série, o presidente da Câmara conseguiu o que queria” – referindo-se a Lira ter emplacado um afilhado no primeiro escalão do governo.
Cid, o delator
Depois de 4 meses preso, o ajudante de ordens do ex-presidente Bolsonaro foi solto e ganhou “notoriedade” após fazer delação à Polícia Federal. Disse que vendeu os relógios e entregou o dinheiro em espécie nas mãos de Bolsonaro. E ainda confessou que “sabia que a venda era “imoral”, mas não “ilegal”.
Disse, também, que Bolsonaro discutiu a possibilidade de um golpe com comandantes militares e teria recebido apoio do então Comandante da Marinha, Almirante-de-Esquadra Almir Garnier. Colegas de farda do almirante se manifestaram a favor de sua inocência. Logo após a delação, a PGR se pronunciou afirmando que a PF não tem legitimidade para fazer acordos dessa natureza.
Bolsonaro pode ou não ter tentado um golpe. O difícil é engolir que venha baseado na delação Cid – um pária que envergonha o Exército Brasileiro.
Dellagnol
Uma figura de menor expressão foi Deltan Dellagnol. De toda forma, “merece” figurar no texto pela forma furtiva como se conduziu. Primeiro, pediu exoneração do cargo de procurador para poder se candidatar. Contudo, há indícios de que estaria deixando a Procuradoria para evitar responder a 15 processos disciplinares que poderiam resultar em demissão.
Eleito deputado federal, os ministros do TSE entenderam que, com base na Lei da Ficha Limpa, um indivíduo que deixou o MP para escapar da punição não poderia se candidatar a cargo eletivo. Antes, Deltan já havia se comprometido no caso das mensagens trocadas com o então juiz Sérgio Moro – que também agiu ilegalmente – ao afrontar norma do CPP que veta aconselhamento do juiz a qualquer das partes – defesa ou acusação.
Cassado, Deltan – arrogante e agressivo durante a Lava Jato – saiu com um megafone pelas ruas de Curitiba para protestar contra a cassação. Patético! Na quarta (13), durante a votação de Dino para o STF, o senador Moro trocou mensagens com o primeiro suplente dizendo que Deltan estaria “desesperado”. O motivo não foi conhecido.
Flávio Dino
Outro personagem polêmico, que deu sua “contribuição” para um 2023 conturbado, foi o ministro da Justiça, Flávio Dino. Em novembro, quando Lula anunciou sua indicação para o STF, o PT não escondeu seu descontentamento. Tampouco o grupo bolsonarista.
Dino é uma pessoa, digamos assim, que enfrenta resistência dos dois lados e ‘mais um pouco’. Na 4ª-feira (13), o Senado aprovou seu nome por 47 votos contra 31. A oposição logo manifestou descontentamento, apontando “imparcialidade” e “politização” do novo ministro. Seja por isso ou aquilo, é mais um nome que nada acrescentou a 2023.
Gleisi Hoffmann
Uma das figuras mais desagregadoras, cujas polêmicas e falas agressivas tanto prejudicaram o PT quanto o governo, foi a deputada Gleisi Hoffmann. Numa atitude que só gera discórdia, várias vezes referiu-se a Bolsonaro como “genocida, golpista e ladrão”, sem que o ex-presidente tenha sido condenado por nenhum desses crimes.
Em outro desastre, disse que o “Senado favorece a extrema direita”, o que, obviamente, desgastou as relações da Câmara Alta com o governo. Em outra declaração infeliz, a presidente petista defendeu o fim da Justiça Eleitoral face às multas aplicadas aos partidos. De imediato o ministro Alexandre Moraes se manifestou: “falas errôneas e falsas”. Gleisi recuou e disse que foi “mal compreendida”. Entre grosserias, agressões e erros, foi uma das personagens que mais contribuíram para o infortúnio de 2023.
Janja da Silva
A primeira-dama, Janja da Silva, contribuiu para o desgaste do governo desde o início. Num país cujo discurso é o de que as criancinhas tenham três refeições/dia, Janja comprou um sofá de R$ 65 mil e uma cama de R$ 43. As peças são revestidas com couro italiano e exigem tratamento exclusivo. Queria, também, uma mesa de R$ 200 mil, mas a compra foi barrada pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, que argumentou que móveis de valores muito altos prejudicariam a imagem do governo.
O protagonismo que busca incomodou a tal ponto que a Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara aprovou em setembro convites para ouvir 6 ministros palacianos que pedem esclarecimento sobre as funções da primeira-dama. E mais: durante visita a Portugal, num evento do parlamento, o cerimonial do país anfitrião informou onde ela deveria se sentar. A resposta: “Eu não fico atrás do presidente, fico ao lado dele”.
Janja disse, em entrevista ao O Globo (5.nov), que é necessário “recolocar” a questão sobre ela não ter um gabinete: “Nos EUA a primeira-dama tem gabinete próprio, agenda e protagonismo”.
Lula da Silva
Como presidente da República, chefe de Estado e de governo, não é possível dissociar o presidente Lula do ano de 2023, marcado por nenhum avanço e uma série de erros, frutos da desorganização administrativa, excesso de interferência partidária e falta de austeridade.
Já dito na introdução, a matéria não vai além de considerações mínimas, incapazes de descrever o ano político-econômico-administrativo que vai terminando. No caso do presidente, por falta de espaço, sequer é possível entrar em minúcias. Apenas relacionar alguns aspectos que marcaram 25% do mandato.
Começou por criticar o teto de gastos, fala que produziu ruídos no mercado financeiro. Questionou a autonomia do Banco Central – o que deixou investidores em polvorosa, visto que sem autonomia o BC fica exposto a ingerências políticas. Diante do fechamento galopante de lojas e fábricas, culpou Campos Neto por manter os juros altos.
Recebeu o governo com 23 ministérios e aumentou para 38, o que provocou aumento estrondoso na despesa pública. Voltou a culpar Campos Neto, com o descortês comentário de que “ele não entende nada de Brasil”. Oito meses depois, quando a Selic começou a baixar, Campos Neto mostrou que estava certo.
Na política externa, outro desastre. Fez observações contra a Ucrânia, o que, por tabela, também desagradou aos EUA. Depois foi a vez de Israel e – talvez o maior desastre na área – recebeu Nicolás Maduro e disse que a ditadura na Venezuelana não passava de “narrativa”. O desprestígio externo aumentou com o apoio de Lula ao candidato derrotado na Argentina.
Nas várias pesquisas, sua popularidade esteve quase sempre em queda. Em setembro, o PoderData divulgou que “Desaprovação do governo Lula vai de 56% a 64”. Em outubro, Genial Quaest disse que piorou a percepção dos entrevistados sobre economia. Em novembro, o mesmo instituto captou que no mercado financeiro apenas 9% avaliam a gestão como positiva. Depois, a Exame reproduziu a Quaest: “Avaliação negativa do governo no mercado sobe de 47% para 52%”. Em novembro, Anselmo Gois publicou que “após impressão negativa, Lula vai reduzir viagens ao exterior”. A informação veio na esteira do número exagerado de viagens do presidente, não raro acompanhado de numerosa comitiva.
No mês passado, a 17ª live semanal de Lula (Conversa com o presidente) teve a pior audiência desde a estreia. E por aí segue… Apenas focalizando alguns tópicos, ficou dessssteeee tamanho.