Silvia Salgado lança coletânea de crônicas escritas em movimentos distintos

Geral

4 de dezembro de 2023 – 7h00

Foto: Josh

Silvia é jornalista formada pelo curso criado por seu pai, o de Comunicação Social na então Faculdade de Filosofia de Campos. Cronista de primeira grandeza, ela vem ensaiando há anos publicar seu primeiro livro.

Assim como seu pai, o grande Hervê Salgado Rodrigues, que escreveu várias peças de teatro, mas que adiava a edição de um livro, contrariando os admiradores, até que lançou Na Taba dos Goytacazes, um dos maiores sucessos literários da história de Campos.

Agora, Silvia, essa jóia da coroa do jornalismo em Campos, decide encadernar suas ideias no “A vida é isso”, que foi lançado na quinta-feira (30), na Câmara Municipal. Pelo título, já se pode perceber, a simplicidade como ela escreve, na forma de flecha e de arco. O livro pode até dar uma de cupido.

Silvinha, por que levou tanto tempo para mostrar que a Vida é Isso?

“Primeiro por timidez. Sou super tímida para mostrar minhas coisas. Levei anos e anos sem assinar o que escrevia. Um dia me perguntei por quê? Será que seria por causa do meu pai? Não era fácil ser filha do Hervê Salgado Rodrigues naquela época. Vinha um sentimento de que ele seria o meu revisor, e que alguém poderia pensar que ele adicionava algo interessante nos meus textos e, então, não seriam originais. Foi assim por muitos anos, até que assumi e resolvi assinar meus textos em A Notícia. Esses textos em forma de crônica passaram a ser elogiados. O que quero dizer é que era difícil escrever em um jornal onde o dono era o meu pai. Depois, com o tempo, fui para O Diário e acho que me saltei mais. E agora recentemente resolvi fazer uma coletânea de textos, e lançar o livro, afinal a vida é isso. Talvez Freud explique.”

Além de cronista do cotidiano, você também foi repórter genérica, ou seja, cobria tudo. Como foi essa fase?

“Comecei com 17 anos na editoria de geral de A Notícia. Cobria tudo, até o Goytacaz, e naquela época o futebol em Campos era forte, tinha até clássico quando o azul da rua do Gás jogava com o Americano. As usinas tinham seus clubes de futebol profissional. Acho que fui uma das primeiras mulheres, ou seja, uma garota, a cobrir futebol e isso deixava os jogadores um pouco incomodados. Tenho isso no meu currículo com muito orgulho. Acabei passando por outras editorias, mas me especializei mesmo em política, inclusive cobrindo os famosos debates em 1982, no Rio de Janeiro, em que se confrontavam gente como: Leonel Brizola, Moreira Franco, Miro Teixeira, Sandra Cavalcanti e Lysâneas Maciel. Eu fui credenciada para estar nos estúdios da TV Bandeirantes e nunca vou esquecer isso. Então, foi um batismo pesado na cobertura do primeiro debate após a ditadura militar para o governo do Estado do Rio de Janeiro. Me apaixonei pela política. Quem viveu sabe o que estou falando.”

E a crônica?

“Eu era bem menina e me apaixonei pelo 2º Caderno do Jornal do Brasil, o JB. Neste suplemento tinha crônicas de gente como Carlinhos de Oliveira, Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Clarice Lispector, Otto Lara Resende, e todos os melhores. Esse foi o grande momento do jornalismo brasileiro, o Segundo Caderno do JB. Eu pedi a meu pai de presente uma assinatura só para mim do JB. Então, lá em casa eram duas assinaturas do JB. Eu disse para meu pai que queria escrever como eles e ouvi; “Então, cresça, coma muito arroz com feijão, leia muito esses escritores e observe a vida além dos seus muros, sempre com o olhar critico”. E, desde então, tenho feito isso. Vivendo sempre com um olhar atendo em busca de uma boa crônica.”

Tem um pouco de Atafona nesse livro?

“Você sabe que tem. Eu me confundo com Atafona. Atafona é para mim, e para muitos, um universo paralelo, como diria Monteiro Lobato. Onde você passa a infância e a adolescência vira um lugar Mágico, sem passado ou futuro, só presente. Tudo isso permeado pelas pipas, pelo picolé de São João da Barra, ingá e pelo vento nordeste que soprava generoso. Esse mundo é encantado. A memória afetiva é simples. Bom lembrar que a gente nunca esquece o lugar onde a gente deu o primeiro beijo na boca, onde a gente viveu os primeiros sentimentos. Atafona sempre e para sempre.”

Mas Atafona está sumindo do mapa?

“Está desaparecendo e ninguém faz nada. Sou uma das primeiras a ter sido desalojada, da minha casa em 2010. Lembro-me de que naquele verão eu mandei pintar minha casa e alguém disse “Tá maluca? Gastando dinheiro pintando uma casa que o mar vai engolir”. Falei para a pessoa que aí mesmo que eu iria caprichar na pintura. Se Iemanjá iria levar minha casa, então ela tinha que estar muito bonita. Linda! Foi exatamente isso que aconteceu, quando neste verão uma onda derrubou o muro. Iemanjá levou minha casa, a casa dos meus pais que não chegaram a ver isso. Mas, levou a casa pintada, bem bonita para ela.”

Existe nas redes sociais um movimento de postagens sobre Atafona. Você consegue assistir isso?

“Antes de o mar tomar minha casa, depois que tomou e até pouco algum tempo, eu me reuni com o advogado Geraldo Machado, louco pela praia e que lançou o SOS Atafona. Ao mesmo tempo lutei através do jornal. Fui à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), para pedir aos deputados pelo menos um estudo sobre o avanço do mar, que avaliasse todas as teses sobre o fenômeno. Quando a casa foi engolida, ninguém do poder público me procurou. Eu recebi um carnê do IPTU para pagar. Ninguém faz nada e acho isso um desrespeito à memória de muita gente. Sequer fizeram um estudo técnico apontando possíveis soluções para este problema. É muito duro.”

Além de Atafona, outros lugares inspiraram suas crônicas?

“Meu olhar. O que passa despercebido pela maioria das pessoas, não passa batido pelo olhar de um cronista. A cidade, suas figuras exóticas e interessantes. Tudo isso é matéria-prima para a crônica. Rosinha, aquela ruiva magrinha, Mundinho e tantos outros. Pessoas, personagens e lugares. Rosinha com pernas fininhas era uma crônica ambulante, assim como muito outros. Então, sou muito atenta ao cotidiano. A vida é uma crônica trágica, caótica e fascinante.”

Como você vê, aos poucos, o fim do jornalismo impresso, lembrando que você está dando uma entrevista a um nesse modelo?

“Eu vivi o auge do jornalismo impresso, não só porque eu nasci, cresci e vivi em um jornal. Lembro-me que um artigo de papai, escrito em Campos, tinha uma repercussão imensa em todo o estado. Você pega o Carlos Castro Branco, a chamada coluna do Castelo. Tempo do Paulo Francis. O jornalismo formava opinião. As pessoas esperavam o jornal. Aí, chegaram a internet e as redes sociais. Eu tenho um apartamento na Santa Clara, em Copacabana, e era cliente diária de uma banca de jornais. Todos os dias comprava jornais nela. Tinha afeto pelo dono e me propus até a escrever um livro sobre sua vida. Banca de jornal era tudo. Até que um dia, fui à banca e ela tinha sido transformada em uma quitanda, vendendo sandálias havianas, bolsa de praia, cigarros etc. Comentei com a moça que atendia, perguntando pelo dono e ouvi: “já era. Ele passou o ponto. Jornal e revista já deu” me disse empenhando um celular na mão.”

E como você se relaciona com as redes sociais?

“Com o meu olhar crítico. Nelas, sou contestada, amada, muitas vezes odiada por posições políticas e comportamentais. Olho e escrevo, mesmo com indignação. Tudo isso me faz lembrar Betinho, o irmão de Enfil. Não gosto de desequilíbrio social intenso. Não gosto de banalizar qualquer coisa que atinja alguém de forma injusta. É como se me servisse da rede social, no caso somente o Facebook, sem querer. Mas é um canal e só uso para isso. Não uso Instagram e seus filhotes mais modernos.”

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