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Escrever artigo mensal é desafiador, porque em trinta dias muitas são as notícias que gostaríamos de comentar. Como o Natal se avizinha, escolhi uma que me parece apropriada ao momento.
Não é novidade que vivemos tempos estranhos, de ódio e desarmonia, dando a impressão que a humanidade se perdeu. Um brasileiro repatriado da Faixa de Gaza, ao chegar ao Brasil foi recebido com mais de duzentas ameaças em suas redes sociais. Saiu corrido da guerra, para ser ameaçado em sua terra natal, sendo obrigado a pedir proteção aqui, quando imaginava que o perigo estava lá.
Diante desse cenário de desalento no ser humano, confesso que me trouxe um fio de esperança ver o abraço de Sérgio Moro em Flávio Dino, na sabatina do último, ocorrida na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, no ritual que antecede a aprovação para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal.
Antecipo-me em dizer que Dino não seria minha escolha a Corte, entendendo ser mais um erro do Presidente, expert em indicações ruins para o STF. Minha insatisfação não guarda relação com a insurgência dos conservadores e reside no fato de entender, que precisa ser indicada ao Supremo, aquela pessoa que tenha compromisso com a contenção do poder punitivo do Estado.
Há milhares de pessoas presas indevidamente no Brasil, onde a prisão não é lida como exceção, quando deveria ser, por força do comando constitucional. Uma massa de desvalidos está nessa situação, que agora chama atenção daqueles que propagavam o discurso do bandido bom é bandido morto, a partir do encarceramento dos presos de 08 de janeiro. Não há ninguém mais garantista, que um punitivista sentado no banco dos réus.
Há também excesso nas prisões dos “patriotas”. Há algo de muito errado no sistema de justiça, quando o próprio órgão acusador não vê motivos para a prisão e o juiz da causa mantém alguém preso, mesmo que a consequência disso seja a morte de uma pessoa no cárcere, cujo status era, ao tempo do óbito, de presumidamente inocente. Há algo de estranho quando o mesmo órgão, na mesma pessoa, investiga e julga. Como sempre houve algo de estranho em um sistema que se acomoda com quase quatrocentas mil pessoas presas, esperando o julgamento de seus casos criminais, indefinidamente e sem formação de culpa.
Querendo estar errado, meu palpite é de que Dino não seja a figura para se opor a esse estado de coisas inconstitucional. A despeito disso, o abraço de dois polos, que se colocam como antagônicos, personificados em Moro e Dino, me parece que são alvíssaras de um tempo de urbanidade, onde divergir é possível e necessário, mas sem odiar. Somente nesse quadro de temperança, é possível se caminhar para as necessárias mudanças, de modo que uma política com afeto é sempre bem-vinda.
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Tiago Abud – Articulista e Defensor Público
